quarta-feira, 28 de novembro de 2007

O Homem e a Montanha


Um dia, ontem, hoje e amanhã. Um homem percorria perdido o seu caminho para lugar nenhum. Ia lento, muito lentamente, pois carregava consigo uma bagagem enorme. Esse homem era muito rico, ou pelo menos, ele próprio e a maioria de seus amigos e conhecidos o achavam.
O sol brilhava fortemente, mas ele só via a sombra que suas malas faziam no chão, e o chão era o único lugar que via, pois o peso era muito e o focava a isso.
O suor cobria sua pele como se sua pele fosse água e suas pernas se tornavam mais e mais pesadas. Todos os que o viam o achavam triste, pela sua expressão cansada e pelas tantas palavras feias que saiam vez ou outra de sua boca. Mas ele se considerava feliz por ter tudo o que tinha para carregar.
Quando pensava que não estava bem aos olhos dos outros viajantes, tirava de uma de suas sete malas, um espelho, um pente e seus cremes anti-feiúra, e logo se sentia feliz e bonito, mas só sorria uma vez para o espelho. Logo depois se sentia triste novamente e abria outra mala, de onde tirava algum litro de alguma coisa e algum fumo.
Em pouco tempo o homem se achava feliz novamente e partia em sua jornada rumo ao nada...
Assim que se via só, que se dava conta de que estava só, abria outra mala e tirava dela uma revista de fofocas ou fotos das pessoas que um dia pensou amar. Sorria para o passado e logo guardava tudo e jogava nas costas, junto às outras.
Algumas vezes pelo caminho, quando uma pedra o fazia tropeçar e cair, ou quando esta parecia grande demais, o homem abria outra mala e dela tirava seus diplomas, medalhas e alguns troféus, ele os admirava e estas coisas lhe animavam o suficiente para seguir adiante.
E o homem caminhava e ia com a certeza de que ao chegar onde estava indo, ficaria ainda mais rico do que era, e algumas vezes para reforçar essa certeza o homem abria uma mala e dela tirava alguns recortes de mansões, castelos, carros, motos e tudo o que pensava que gostaria de ter e fazer. Isso o encorajava e o homem seguia seu rumo quando, algumas vezes, um outro homem, que estava a muito na sua frente, voltava e lhe perguntava se ele iria subir a montanha. Ele se enfurecia com aquele homem que lhe falava sobre coisas sem sentido, pois não via montanha alguma, somente o chão e as pedras e algo o incomodava quando via aquele homem, que parecia feliz e não carregava nada, era pobre e louco, ele pensava.
Aquele homem o lembrava algo e assim que o homem sumia na sua frente ele abria uma de suas malas e tirava fotos de todas as pessoas que o irritavam, do homem que se casou com seu amor de adolescência, do outro que roubou seu emprego, daquele que comprou a casa dos seus sonhos e o carro que mais queria. Sentia raiva, muita raiva e a raiva o deixava feliz.
O homem seguia cada vez mais cansado e quando a noite chegava ele se apertava com uma de suas malas, mas nunca a abria, a apertava forte e rezava para não precisar abri-la. O dia nascia e o homem seguia.
Outro dia, depois de todas as vidas, uma montanha apareceu na sua frente, era enorme e só parecia acabar no céu, mas ele não via, pois só via o pé da montanha. Pensou em dar a volta mas não via por onde e já estava cansado demais para voltar ou para contornar, portanto decidiu seguir adiante e começou a escalada.
O esforço era muito e a bagagem estava toneladas mais pesada, pois nunca em sua jornada ele deixava de encher as malas. Após alguns metros e algumas quedas ele se sentou, abriu uma mala, a do espelho, deu uma boa olhada em si mesmo e se viu acabado, estava cheio de marcas na testa, envolta da boca, os cabelos grisalhos e sua aparência era triste.
Pegou o espelho revoltado, jogou dentro da mala e depois jogou a mala, que se desfez na queda. Respirou fundo e subiu mais um pouco, se sentindo mais leve. Porém a montanha era muito alta e logo suas forças se acabaram. Sentou-se encostado numa pedra e abriu outra mala, nela se encontravam as bebidas e os cigarros e o homem bebeu e fumou, bêbado tentou subir mais um pouco e caiu, seu pulmão parecia estourar e ele desmaiou.
Ao acordar percebeu que era inútil carregar aquela mala e se livrou dela. Esboçou um sorriso triste e meio mancando, porém mais leve, tornou a subir e quando mais subia mais pensava em si mesmo, onde estava e aonde ia, pensou e parou, pegou a mala com as revistas e as fotos, abriu-a, deu uma boa olhada e sorriu ao vê-las todas voando livremente para o nada. Quase em pé, podia distinguir o que poderia ser um raio de luz, mas não podia ter certeza, por isso decidiu subir mais.
Enquanto subia, pensava agora no que ganharia ao chegar lá em cima e descobriu que era mais que um diploma, medalha ou troféu, era sua própria vida e nesse instante decidiu jogar fora essa mala também.
E o homem subia cada vez mais leve e feliz por estar mais leve e subindo, logo estaria n topo e estaria salvo. Quantas pessoas conseguiram salvar a si mesmas? Ele pensava, e se sentia feliz por saber que poucos conseguiram subir aquela montanha e que talvez nenhum daqueles homens a quem invejava odiosamente pudessem subir até onde ele subira e jogou fora a mala com seus nomes, fotos e listas de bens e junto com a mala toda lembrança de todos os que o faziam mal e subiu cada vez mais rápido e cada vez mais livre e quando pensava que estava quase chegando, eis que chegou a noite.
Ele apertou sua mala consigo e subiu mais um pouco. Sentiu algo estranho e parou, soltou sua única mala no chão e a abriu, nela viu seus remédios para a cabeça, coração, stress e tudo, viu suas facas e seu revólver e seu spray de pimenta. Ficou olhando um pouco para o vale escuro e depois para as estrelas... há muito tempo não via as estrelas e se lembrou do pobre louco que o vinha sempre a chamar a subir a montanha, e pensou que aquele homem não era pobre nem louco, ele era rico, pensou, pois era sábio e sabia que para se chegar ao cume da montanha mais alta não se precisa de bagagem nenhuma, tudo o que se precisa é de si mesmo, da montanha e de acreditar que se vai conseguir. Depois que pensou isto, pegou a mala e ao jogá-la no vale escuro disse a si mesmo em voz alta:
- Não tenho mais medo, não tenho mais nada e mesmo que amanhã eu não chegue ao topo desta montanha, continuarei subindo, leve e feliz, pois a felicidade não está em chegar ao topo e sim em estar leve e subindo, obrigado rico e sábio homem, que me ensinou a andar nu.
Disse isto e deitou-se cansado, porém leve e feliz, com um sorriso sincero nos lábios e nada nas mãos.
Ao amanhecer, acordou com o primeiro raio de Sol e quando olhou para cima, estando totalmente em pé e com os braços abertos, abriu um enorme sorriso... pois tudo o que via agora... era o Sol.

05/02/02

2 comentários:

Professora Rosângela disse...

Peter, gostei muito do texto. Agora fiquei ansiosa para ler o conto q está terminando.

Perspectivas do Mato Grosso disse...

gostei muito do seu blog,muito bem escrito. O titicaca é lindo, aproveite e vá com sua família, só é muito frio.